Personalidade


O cavaleiro da Imaculada


A infância de todo ser humano, principalmente no momento quando sua personalidade está se formando, é sempre marcada por imagens, ainda que simples, e por acontecimentos, talvez singelos, que quando ecoam dentro das pequenas mentes, dependendo das circunstâncias em que se deram, ficarão registradas por toda a vida, no pensamento e também na alma.

Certo dia, podendo até ser chamado de um dia qualquer se não fosse a ação da Providência Divina, o pequeno Raimundo, que até aquele momento brincava, foi chamado por sua mãe. Ela, que estava nervosa e cansada de suas desobediências e peripécias, perguntou-lhe quando ele tomaria jeito e passaria a ser uma criança diferente, com um profundo: “Até quando?”.

Raimundo, na sua inocência, caiu em si e percebeu que aquela pergunta não era uma chamada à atenção qualquer. Era mais que isso. E essa pergunta foi o primeiro passo para ter início a transformação que aconteceria em sua vida. A indagação fez com que o pequeno se colocasse aos pés de uma singela imagem de Nossa Senhora que aquela católica família polonesa guardava em casa. E diante da Mãe do Céu, a pergunta, que agora não mais era de sua mãe, brotava de seus lábios: “Até quando?”.

Eis que surgiu, esplendida e formosa, diante das retinas daquela criança de oito anos que permanecia em oração, a Virgem Maria, portando duas coroas de flores nas mãos. E oferecendo-as a Raimundo, perguntou-lhe qual ele escolheria. Uma, de flores brancas, a qual coroaria sua vida com a pureza. A outra, de flores vermelhas, a qual cingiria sua trajetória neste mundo com o martírio. E Raimundo escolheu as duas.

Depois deste inigualável acontecimento, o qual se refletiria em sua vida pura e sofrida, mudou totalmente seu modo de viver. Sua mãe, a única a quem ele confiara esta visão, só fora revelar este segredo após sua morte, reconhecendo que aquele fato foi um marco na vida de seu filho.

Mas como, interrogava-se Raimundo, poderia ele viver de modo que agradasse a Mãe do Céu, a quem ele agora dispensava uma imensa devoção? Ele sonhava em ser militar, queria ir para frente de batalha, afinal, como a maioria dos poloneses, ele era um grande entusiasta da pátria, um verdadeiro patriota. Contudo, novamente a mão da Divina Providência pousou sobre aquele ser humano e para o convento dos Franciscanos Conventuais ele entrou, para ser aí um cavaleiro, não militar, mas do Reino.

Agora este nosso cavaleiro não mais se chama Raimundo. Despido do homem velho, o novo Maximiliano, consagrado a Deus, tinha a mente voltada toda para Ele. Servi-lo e amá-lo, imitando Seu filho Jesus, sendo seu apóstolo. E seu apostolado começou antes mesmo de ser ordenado sacerdote, criando entre os seus pares a Milícia da Imaculada. Note-se que Maximiliano amava a vida militar e adotando este nome quis mostrar que ele combateria. Agora, em outro front: a frente de batalha mariana. Era o comandante do estado de suas forças, o general de uma corporação na vida espiritual, sempre subordinado a uma regra da qual derivariam todas as outras: a obediência.

E a partir daí ele nunca mais saiu do campo de batalha. Sua vida seria toda ela uma luta: para salvar as almas e fazer Cristo, e sua Mãe, conhecidos em todo o mundo, mesmo nos rincões mais distantes, como o Japão, a China e a Índia. Todavia, sua sofrida e amada Polônia teria prioridade.

À medida que o tempo foi passando, a Milícia foi crescendo, afinal, a santidade atrai qualquer idade, e ela torna-se fascinante quando se é jovem. Orações e medalhas eram suas armas, silenciosas, mas eficazes para quem tinha uma fé intrépida de que o mundo poderia ser salvo por elas. Entretanto, os problemas também ousaram acompanhar frei Maximiliano. Por todos os lados eles o cercaram, desde oposições humanas até limitações financeiras. E aos seus filhos espirituais ele exortava: confiemos na Imaculada, ela há de nos ajudar.

Sua obra já era tão grande que aquele incansável soldado precisou de um “quartel-general” maior, onde ele pudesse abrigar todos os seus companheiros e também seus equipamentos gráficos, que imprimiam agora uma revista, seu novo instrumento de evangelização, que chegaria á tiragem de um milhão de exemplares por edição. A este lugar, fundado no coração da sua alva e rubra Polônia, chamará de Niepokalanow ou Cidade de Maria.

Mas se dentro de sua Cidade viviam em paz cerca de setecentos seguidores de Maria, fora dela as nações vociferavam uma contra a outra. E para continuarmos nossa história é necessário entendermos que tudo isso o que nas linhas acima foi narrado aconteceu no período entre guerras, quando a Europa viveu vinte anos de tensão e apreensão, temor e tremor, sabendo que a qualquer hora aquela débil sensação de paz poderia ser destruída por um líder totalitarista que desse um passo rumo às armas de fogo. E de fato foi isto que aconteceu.

Em 1938, a Polônia começava a ser engolida pelo monstro nazista. Frei Maximiliano sabia o que estava por vir: “Filhinhos, aproxima-se um combate sem quartel. A guerra está muito mais perto de nós do que se poderia crer”. Em 1939, sua pátria foi invadida. Iniciava-se a II Guerra Mundial, e também a fase final de sua vida.

As máquinas da Cidade de Maria param de funcionar; os freis devem, por ordem dos superiores, se dispersarem pela terra, sob a exortação de frei Maximiliano: “Não esqueçam o amor”. Ele, embora fisicamente fraco, era um homem de uma moral incrível e de uma santidade tremenda, que assustavam aqueles que de Deus permaneciam longe. Isso incomodou o Reich, fazendo que ele fosse incluído nas listas de pessoas influentes que poderiam contribuir, segundo o nazismo, para a desordem social. E no dia 17 de fevereiro de 1941, no meio da manhã, ele foi levado pela Gestapo para Pawiak, a temida prisão de Varsóvia.

Conta-nos o Santo Evangelho que, depois da agonia no Getsêmani, Jesus Cristo foi preso e entregue aos soldados para ser flagelado. Frei Maximiliano seguiria a partir de agora os mesmos passos do Mestre e Senhor.

Aceitou sem murmúrio sua prisão e jamais blasfemara contra os soldados que lhe desferiam golpes. Mais preocupado com os outros do que consigo mesmo fazia de tudo para que crescesse a esperança naquele ambiente que cheirava à esterilidade. Ele não abandonaria sua cruz, mas tomou-a sobre os ombros pelo amor da Imaculada. E tempo depois, assim como Cristo fora levado ao Gólgota, ele foi levado a Auschwitz.

E neste lugar, solidão e sofrimento. Dor e desespero. Ali terminava a vida, encerrava-se a humanidade. Cessava-se toda esperança ou sorte. Não era mais frei Maximiliano, mas o prisioneiro número 16.670. E lá ele permaneceu trabalhando e padecendo, vendo o ser humano, tão nobre e amada criatura de Deus, ser lentamente destruído. Mas para ele, o amor ainda poderia existir.

A prova disso foi quando em julho de 1941 um prisioneiro de seu bloco escapou. E a lei nazista era clara quanto a isso: por uma vida que escapava, dez eram condenadas à fome e sede até a morte. E os dez foram escolhidos, na frente de todos. Mas um deles desesperou-se ao ser incluído nesse grupo e clamava pelo amor de Deus, que ele não fosse para o Bunker da fome, pois ele era pai de família, tinha filhos e esposa para assistir e que não queria morrer sem vê-los novamente.

Aconteceu então algo que solo de campo de concentração algum jamais foi testemunha: um prisioneiro ousou sair das filas e ofereceu-se para tomar o lugar do outro, que implorava entre soluços.

O prisioneiro era Frei Maximiliano Maria Kolbe. Um frade franciscano, que queria doar sua vida pela de seu irmão, fazendo-se ao máximo imitador de Cristo: “Prova de amor maior não há, que doar a vida pelo irmão”. Frei Kolbe agora estava no lugar daquele pai, por amor.

Os condenados, à porta da cela da qual entravam para nunca mais saírem com vida, despiram-se. Foram confinados. Foram privados do pão e da água. E um por um todos foram padecendo. Morreram, todos com o amparo de Frei Kolbe, que não murmurava ou blasfemava contra ninguém, mas enquanto tinha forças, cantava hinos à Imaculada e rezava ao Altíssimo. E ele, aquele sacerdote católico, viu todos os outros nove prisioneiros morrerem. No nono dia no bunker da fome restou apenas ele, ressequido, mirrado, mas cheio de santidade, e fortificado pela fé.

Sem mais ter o que fazer o centurião romano, para comprovar a morte de Cristo, traspassou-lhe o lado com uma lança. E para não ter que esperar mais um segundo, o auxiliar do bloco 11 aproximou-se de frei Kolbe, 47 anos, aquele que sobrevivia sem saber como, armado com uma seringa de ácido fênico.

Era dia 14 de agosto de 1941, véspera da Assunção de Nossa Senhora. O dia do início da verdadeira vida daquele cavaleiro da Imaculada, santo e mártir.

Assim morria aquele apóstolo que entregou sua vida na obediência e no trabalho incansável pela salvação das almas. Assim morria aquela criança inocente que contemplara Nossa Senhora, podendo compreender a influência que aquela aparição e aquelas coroas, branca e vermelha, causaram na sua vida e na sua morte. Assim morreu Raimundo, Maximiliano Kolbe, pelo irmão. Daniel Rops, historiador sempre atual, escreveu que “sempre precisamos de santos. Hoje, porém, se necessita de um tipo especial. Penso em ti, padre Maximiliano Kolbe, cuja fugira exemplar encarna de maneira mais profunda a revolução contra o erro de nosso tempo onde o amor não é mais amado”.

A história deste santo atual foi se espalhando em todo o mundo. O papa Paulo VI proclamou-o bem-aventurado, confessor da fé, revestido de paramentos brancos, em 1971. João Paulo II, filho também ele da heróica Polônia, proclamou santo o herói mártir de Auschwitz, revestido de paramentos vermelhos.

O século XX, o século do qual Maximiliano Kolbe fora filho autêntico findou-se. Mas ainda deve permanecer em nós aquela pergunta que a ele foi feita quando criança: Até quando? Até quando nós deixaremos de lado nosso irmão? Até quando permaneceremos inertes, vendo o mal proliferar-se ao nosso redor?

São Maximiliano Maria Kolbe, o patrono do difícil século XX já respondeu a esta pergunta doando sua vida, deixando-nos seu exemplo: amando efetivamente o Mistério através do outro. Nestes tempos, a urgência da resposta recai sobre todos nós, afinal, nós somos os cavaleiros do hoje.
Noviço Edvaldo Betioli Filho
Cornélio Procópio, 05 de setembro de 2009

Comentários

Anônimo disse…
Edvaldo Filho (meu filho amado)... Acredito que você nasceu sabendo escrever, e a mamãe, quando você era pequeno, tinha a audácia de tentar ajudar... Lembra?
Muito bom seu artigo, não falo do tema escolhido, da pessoa escolhida, pois esse sem comentários, “Cavaleiro da Imaculada”... O homem santo... O que viveu o verdadeiro amor que é: dar a vida por seu irmão. Mas falo da forma que você escreve, tem tua marca... tem seu carisma..seja o assunto que for..sempre sinto no que você escreve um ponto de luz.
Existem pessoas que precisa de um estimulo pra seguir em frente, e este de texto de modo especial com certeza fará isso... E me marcou muito, o encanto das duas coroas... E quem de nós não tem essas coroas? A branca da inocência e a vermelha das tribulações?
Parabens pelo seu artigo, mais valioso ainda por sair dentro de você.

SÃO MAXIMILIANO MARIA KOLBE, rogai por nós!

Margareth

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