O Sorriso de Deus

O que nós conseguimos fazer em 33 dias? Para muitos, tempo de sobra para realizar pequenos feitos. Para outros, período insuficiente para edificar grandes obras. Contudo, para um homem de modo especial, trinta e três dias foram necessários para mostrar ao mundo a grandiosa dimensão de um sorriso.

O homem que mostrou que ainda é possível sorrir é Albino Luciani. Nascido em Forno di Canale, região do Veneto, Itália, em 17 de outubro de 1912, levou sempre uma vida mais do que simples, sabendo viver desde muito novo o significado da palavra humildade, crescendo entre os sofrimentos causados pela Primeira Guerra Mundial e pela pobreza.


Essa simplicidade que sempre o acompanhou desde seu ingresso ainda muito novo ao seminário diocesano em 1923 até o trono de Pedro fazia com que ele tocasse o íntimo de todos aqueles que o ouvia. Falava com o coração aberto, tanto a fiéis quanto a não cristãos. E sua voz acanhada, suave, tantas vezes frágil unida às suas palavras servia como música que comovia e acalmava os seres mais agitados e as almas mais atribuladas.

Em 1958 o papa João XXIII escolhe Albino Luciani bispo de Vittorio Veneto. De certa forma, uma surpresa para aquele que sonhava em ser sempre um simples padre. Define como seu lema episcopal o mote “Humilitas”, humildade. A porta do palácio episcopal estava sempre aberta e acorriam ao bispo todas as gentes, de todos os rincões da diocese, a qualquer hora do dia para uma palavra com Dom Albino, que atendia a todos sem distinções. Assim também permaneceu, de hábitos simples, quando pelo papa Paulo VI foi nomeado em 1969 Patriarca de Veneza e, mais tarde, cardeal da Igreja Católica.

Todos sabemos que o Espírito de Deus sopra e paira onde quer. Prova disso foi a eleição do Cardeal Luciani como novo bispo de Roma no dia 26 de agosto de 1978 em um dos Conclaves mais rápidos da história. Foram necessárias apenas quatro votações para que, inspirados pelo Espírito Santo, os eminentíssimos cardeais chegassem a um nome.

Enquanto o mundo alegrava-se com a fumaça branca que saía da chaminé da Sistina, o novo papa timidamente confidenciava na sua humildade aos cardeais: “Que Deus vos perdoe pelo que fizeram comigo”. Indagado por qual nome gostaria de ser chamado, mostrou que desejava continuar trilhando os passos de seus amados predecessores imediatos, principalmente no que se tratava do seguimento ao Concílio Vaticano II. Aquele cardeal desconhecido pelo mundo foi anunciado no Balcão da Basílica de São Pedro com o nome de João Paulo I.

E não foram necessárias mais palavras para a sua apresentação. Seu sorriso brilhante, acanhado, sincero, tratou de fazer todas as apresentações necessárias. O mundo passava de imediato a amar o vigário de Cristo, e João Paulo I o seu rebanho.


E dia após dia de seu brevíssimo pontificado o papa Luciani foi ensinando algo especial a cada um, como se soubesse que dali a pouco tempo ele já estaria na casa do Pai. Transformou as audiências gerais das quartas-feiras em verdadeiros encontros de catequese; as
quatro que realizou falou sobre a fé, a esperança, a caridade e a humildade. Chamava crianças até ele, ia até o povo, utilizava exemplos do cotidiano falando em uma linguagem simples que se fazia entender tanto por doutos quanto por ignorantes, muitas vezes de improviso. Um homem afável, de bom humor, dotado de um grande zelo apostólico com um amor sem ostentação. Era a autoridade máxima da Igreja, mas seu coração, seu espírito, era puro e simples como ao daquele pároco que ele desejara ser. E principalmente, nunca se esqueceu dos pobres, aqueles aos quais Cristo mais amava e a seu ver aos que Igreja também deveria dedicar-se mais, sendo uma Igreja pobre para os pobres. Sempre firme na doutrina, claro e conciso, escreveu ainda cardeal: “Aos pobres, sem dúvida, a exemplo de Cristo, deve voltar-se a preferência sincera e aberta dos cristãos”.

Entretanto, sabemos que o dia do Senhor vem como um ladrão de noite (cf. I Ts 5, 2). E assim foi com Luciani que, para a perplexidade e tristeza de todos, morreu para este mundo e nasceu para a Eternidade na noite do dia 28 para o dia 29 de setembro de 1978, devido a um infarto no miocárdio, apenas trinta e três dias depois de sua eleição. Não lhe restou tempo de escrever nenhuma carta encíclica, mas no tempo que teve fundamentou no amor puro a sua apresentação da Boa Nova. Disseminou espiritualidade no materialismo e nas ideologias. E sem sombra de dúvidas nisto consistiu sua herança, seu legado de trinta e três dias, inesquecíveis, aliás.

Em toda a agitação dos tempos, na impaciência do cotidiano, João Paulo I nos conduz a um caminho que nos faz retomar o valor da simplicidade, do essencial, das coisas pequenas, e nos ajuda a redescobrir a alegria do amor e, sobretudo, a importância de um sorriso.


Como um meteoro que rasga o céu rapidamente para depois desaparecer deixando apenas a lembrança de seu clarão em nossa memória, João Paulo I brilhou no céu da Igreja deixando-nos além de sua doce lembrança um rico testamento. O testamento do amor através de um sorriso. O sorriso de Deus.

Dado em Curitiba, dia vinte e quatro de janeiro,
terceiro Domingo do Tempo Comum, do ano do Senhor de dois mil e dez.


Edvaldo Betioli Filho
Noviço da Sociedade do Apostolado Católico



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