Olhos da coragem

“Quando perdi a visão, Werner – continuou ela – as pessoas disseram que eu era corajosa. Quando meu pai foi embora, as pessoas disseram que eu era corajosa. Mas não era coragem; eu não tinha escolha. Acordo todos os dias e vivo minha vida. Você não faz a mesma coisa?” (p. 468)

Se Liesel Meminger me ensinou a notar as cores, e sua precedência sobre tudo, Marie-Laure Leblanc me tomou pela mão fazendo-me perceber o perfume de tudo o que tem cor, inclusive o cheiro da escuridão. Por duas crianças, unidas pela mesma guerra, aprendi a sensibilidade do tênue ligame entre vida e morte, sorriso e lágrima. Depois de imerso no mundo protagonizado pela ceifadora senhora morte através de páginas tão delicadas e despretensiosas, volto à realidade com uma certeza: o homem precisa ir além daquilo que vê, precisa amar!
Antes de tudo, “Toda luz que não podemos ver” é um livro leve, mesmo carregando órfãos, nazistas, bombas e sangue. Mas também leva consigo uma sardentinha perspicaz, curiosa e sonhadora, que consegue ver toda cor além de toda escuridão e toda esperança além de todo desespero.
De um lado, de Paris a Saint Malo, temos a sensibilidade de Marie-Laure, de seu papa custódio das chaves do museu, uma voz sempre a lhe guiar, e o tio Etinne, a figura que se deixa transformar pela resiliência de sua sobrinha-neta.
No entanto, no outro lado da moeda temos os cabelos brancos como a neve de Werner, honesto, amigo, órfão, gênio! Mas tudo isso fica pequeno diante de sua compaixão, desde quando do lado de Jutta, passando pelas escolas nazistas, até ter sua vida diante da vida de Marie-Laure.
Sem mais anunciar aquilo que Anthony Doerr trouxe magistralmente nas 526 páginas, em uma viagem nas ondas dos rádios, nos porões e na busca por um diamante, o livro é um bilhete de embarque para uma viagem que apesar de tudo tem uma só cor, de esperança, que pode ser vista pelos olhos da coragem e que dá sentido a toda luz, vista ou não.

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