Céu e terra trocam seus dons - Reflexão de Natal

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A oração sobre as oferendas da Missa da noite de Natal traz uma profunda riqueza espiritual; a verdade do Natal é dita de forma simples quando anunciamos que na noite de hoje “o céu e a terra trocam seus dons”, seguida de um pedido para que Deus nos dê a graça de “participar da divindade daquele que uniu a vós nossa humanidade”.
O céu é a morada do Altíssimo, de lá Ele se levanta para trazer a libertação a seu povo oprimido na terra[1], enviando seu próprio filho, Deus de Deus e Luz da Luz. Não há falso deus que resista, não há treva que suporte o estupor daquele que sendo Deus ilumina cada recôndito da dimensão humana. Deus mesmo se dá, ele se faz dom. Dom é presente, dádiva, uma doação gratuita, desinteressada, livre de negociações escusas como tão comumente conhecemos hoje. Há gratuidade em Deus!
Quando céu e terra trocam seus dons, o céu oferece Deus e a terra, a humanidade. Deus abraça a humanidade e toma a carne miserabilizada pelo pecado, mas sempre dignificada pela sua criação. O céu oferece tudo aquilo que é, início e fim, a eternidade infinita, e a terra concede a possibilidade da finitude, as marcas do tempo, a matéria que encontra ocaso. E neste belo encontro, do Espírito com o ventre da mulher, uma explosão de vida, a certeza da realização de toda esperança: Emanuel! Deus conosco!
E se os dons são trocados, não podem terra e céus permanecerem indiferentes a este divino intercâmbio: nós participamos da santidade divina, pois o divino tomou para si nossa humanidade. A consequência é a santificação do homem: o indefeso menino de Belém torna viva a possibilidade de nos tornarmos santos como Deus é santo.
Eis o modo de operar de Deus: contrariar toda a lógica humana! O Deus que desce! Neste mistério luminoso, ao qual damos o nome de Natal – nascimento. Deus toca nossa ferida e nos faz perceber uma verdade de sua imprevisibilidade: ao curvar-se, Deus, que é amor, se humilha. O amor é humilde!
O profeta Isaías[2] anunciava o triunfo da estranha lógica de Deus com a vinda do Messias na humildade, lembrando que o julgo opressor, a carga sobre os ombros, o orgulho dos soberbos, as botas dos violentos, tudo será devorado pelas chamas, tudo será restaurado, não pela força que conhecemos, mas pelo Deus forte que é um menino. Estranha lógica de Deus: a força do mundo em um menino.
A força de Deus não é outra coisa a não ser justiça e santidade eternamente. Tudo isso é realizado pelo amor de Deus, o amor que dá novo sentido, o amor humilde. O amor de Deus não é como o nosso. Não podemos medi-lo por nós mesmos, pois nos decepcionaríamos: nossa medida é limitada, mas a de dEle é infinita. E a essa medida precisamos imitar: destruir o que oprime, sufoca, humilha, destruindo o orgulho que impede de amar como Deus ama: na simplicidade.
Se Isaías anuncia e a aguarda a primeira vinda do Salvador, São Paulo[3] nos atém à segunda vinda, aquela que ainda há de vir. A mensagem do apóstolo é a mesma do profeta: Deus nos trouxe a salvação, e por isso nós precisamos abraçar esta salvação, abandonando aquilo que não faz parte do intercâmbio de dons: aquilo que não é de Deus. Traduzindo as palavras do apóstolo, o povo que vive o Natal é um povo que se dedica a praticar o bem. O bem não acontece se não se ama. Se não se ama com humildade.
O Evangelho, por sua vez, narra a cena do Natal. E diante dela, nos coloca o questionamento central desta festa: o que celebramos hoje?
Quando olhamos em volta veremos inúmero motivos para não comemorarmos o que quer que seja. Gritos de angústia, lágrimas de infelicidade, gemidos de humilhação. O mundo gira e com ele um mar de coisas que querem nos afastar de Deus a cada dia. A cada sol nascente, uma tentação crescente. E até parece que Deus não quer nos falar.
No entanto, no Natal, Ele fala. Não por muitas palavras, mas por uma única: seu Filho, o Verbo Encarnado, deposto em uma manjedoura, afinal, o amor é humilde. No Natal, a Palavra única de Deus nos lembra qual o motivo de o celebrarmos: quando o divino toca o humano e o fecunda, encontramos sentido para nossa existência, pois Deus compartilha dela.  É ele que se dispõe a estar conosco, viver conosco, sofrer conosco, ser humilhado conosco e morrer conosco. Ele não é um Deus espectador, mas um Deus conosco!
No Natal celebramos o homem que encontra sentido em sua vida, pois Deus está nela. O Natal ensina que vale a pena acreditar. Que é possível mudar, que é possível renascer, começar de novo, dar nova chance, fazer diferente. E tudo isso não é teoria, pois Deus não é teoria. A novidade do Natal é a possibilidade do homem ser novo na prática de cada dia, na humildade do amor, no amor humilde.
Hoje, vamos dar um passo a mais. Qual será o seu?
Hoje, tenhamos a coragem de tocar Deus ao tocarmos o ser humano, como fizeram céu e terra quando trocaram seus dons.



[1] Sl 75,10.
[2] Primeira Leitura – Is 9,1-6.
[3] Segunda Leitura – Tt 2, 11-14.

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